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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A Segunda Tópica Freudiana: Uma Releitura da Estrutura do Aparelho Psíquico

 

A Segunda Tópica Freudiana: Uma Releitura da Estrutura do Aparelho Psíquico

                                                                                                     Isabel Perides

  

RESUMO

A aula oferece uma análise da segunda tópica freudiana, um marco na teoria psicanalítica. Ao revisitar os conceitos de ego, id e superego, o professor traça um panorama detalhado das dinâmicas psíquicas e suas implicações clínicas. Um dos pontos fortes foi a ênfase na intencionalidade do ego. Diferentemente da primeira tópica, que priorizava o jogo de forças inconscientes, a segunda tópica coloca o ego como protagonista na tomada de decisões, responsável por mobilizar os mecanismos de defesa e mediar as demandas do id, do superego e da realidade externa. Essa mudança de perspectiva confere ao ego um papel mais ativo e consciente na vida psíquica, abrindo novas possibilidades para a compreensão e intervenção clínica. Outro aspecto relevante é a discussão sobre a formação do superego. O professor destaca a importância das identificações e do Complexo de Édipo na internalização de valores e normas sociais, ressaltando a complexidade desse processo e suas implicações na constituição da consciência moral. A crítica à ideia de um superego ligado à tradição de forma obrigatória abre espaço para uma reflexão sobre a diversidade de valores e a importância da singularidade do sujeito. A análise do id como "caldeirão fervilhante das pulsões" é instigante e revela a força motriz do inconsciente. O professor destaca a importância do ego em mediar as demandas do id e da realidade externa, evitando a realização de desejos que possam colocar em risco a integridade do sujeito. A discussão sobre a angústia como sinal de alerta para o ego mobilizar suas defesas é fundamental para a compreensão da dinâmica psíquica e sua relação com o sofrimento psíquico. A aula buscou a compreensão da segunda tópica freudiana, destacando a importância da intencionalidade do ego, da formação do superego e da dinâmica entre id, ego e superego.

 

PALAVRAS-CHAVE: segunda tópica freudiana, ego, id e superego

 

A Segunda Tópica Freudiana

A segunda tópica freudiana, o modelo estrutural da mente, é composta de três instâncias psíquicas: id, ego e superego. Freud discute a segunda tópica em diversas obras, sendo as principais:

v  O Ego e o Id (1923), nesta obra Freud introduz formalmente a segunda tópica e descreve as características e funções do id, ego e superego. Ele explora a dinâmica entre essas instâncias e como elas influenciam o comportamento humano.

v  Inibição, sintoma e angústia (1926), neste texto Freud aprofunda a discussão sobre o ego e sua relação com a angústia. Ele explora os mecanismos de defesa do ego e como eles são utilizados para lidar com a ansiedade e os conflitos internos.

v  Novas Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise (1933), nesta obra, Freud retoma a discussão sobre a segunda tópica e a apresenta de forma mais acessível e didática. Discute a importância do modelo estrutural para a compreensão da mente humana e sua aplicação na clínica psicanalítica.

Além dessas obras principais, a segunda tópica também é abordada em outros textos de Freud, como “A dissecção da personalidade psíquica.” (1933) e “Esboço da psicanálise” (1940). É importante ressaltar que a segunda tópica não substitui a primeira tópica (consciente, pré-consciente e inconsciente), mas a complementa. Ambas as tópicas são fundamentais para a compreensão do funcionamento do aparelho psíquico.

Uma nova divisão do aparelho psíquico: ego, id e superego

Para Ravanello (2024) a segunda tópica começa a ser pensada por Freud em torno da noção do EU. Segundo ele, na primeira tópica os elementos dos mecanismos de defesa ou o modo através dos quais os mecanismos de defesa são acionados fica na consideração de uma espécie de jogo de forças, processos em conflito que levariam uma determinada ideia na disputa entre de um lado a ser realizado e de outro os aspectos ético, estéticos e morais a serem cumpridos. O que definiria nesse conflito que uma ideia fosse recalcada ou não.

A segunda tópica não excluí a primeira tópica. Na primeira tópica Freud vai pensar em uma complexidade do aparelho psíquico, mas na medida em que a clínica vai se desenvolvendo, em número de atendimentos, em número de psicanalistas e são atravessados por acontecimentos como a Primeira Guerra Mundial, a Gripe Espanhola, o desenvolvimento tecnológico Freud sente a necessidade de pensar um modelo ainda mais complexo que é a subjetividade. (RAVANELLO, 2024)

Nas palavras de Quinodoz (2024, p. 225):

O ego e o id é uma obra particularmente importante porque nela Freud apresenta uma síntese das hipóteses levantadas na “guinada dos anos de 1920”. Ele começa por demonstrar que o primeiro modelo de divisão do psiquismo em inconsciente, pré-consciente e consciente – conhecido pelo nome de “primeira tópica” (divisão topográfica do psiquismo) – já não é suficiente para dar conta do funcionamento psíquico, e que é preciso ampliá-lo. Partindo das resistências que o “ego” do indivíduo põe à tomada de consciência durante a cura, Freud introduz uma nova divisão do psiquismo em três instâncias, o ego, o id e o superego, modelo conhecido pelo nome de “segunda tópica”. Esses dois modelos não são excludentes, ao contrário, são complementares no sentido de que descrevem os fenômenos psíquicos sob ângulos diferentes, do mesmo modo que se pode descrever uma casa em termos de forma, de dimensão ou de custo.


Na segunda tópica, Freud reposiciona a intencionalidade ao estabelecer o ego como a origem dos mecanismos de defesa. O recalque de uma ideia não é mais visto como um mero conflito de forças, mas como uma decisão intencional do ego pré-consciente. Esse ego pré-consciente também direciona formas deslocadas de investimento (transferência) para o analista, e tem a capacidade de tomar decisões sobre o material que surge na análise. Ele pode permitir a entrada de certos conteúdos, condená-los ou aceitá-los. Com isso, a análise deixa de ser um simples jogo de forças desencarnadas e passa a ser um campo ético de decisões do ego sobre os rumos do desejo. As saídas da análise - juízo de condenação, juízo de aceitação e sublimação - refletem essa dimensão ética da experiência analítica. (RAVANELLO, 2024)

Para Freud, a capacidade do ego de se tornar objeto de observação leva a uma divisão não apenas em sua função, mas também em sua subjetividade. A possibilidade de ser avaliado e observado cria a instância do superego, que permite ao ego ser julgado, amado, odiado e questionado com base em ideais, identificações e projeções. Simultaneamente, o ego pode se dividir e manifestar sintomas através dos mecanismos de defesa. No entanto, essa clivagem do ego segue padrões pré-determinados por sua própria estrutura. Em outras palavras, a forma como o ego se fragmenta e se defende é condicionada por sua própria estrutura. (RAVANELLO, 2024)

Nas palavras de Ravanello (2024):

Freud vai definir o superego justamente como uma função de observação. A capacidade que eu tenho de observar meu próprio eu, esse desdobramento que eu faço no âmbito da ação é o que resulta a constituição do superego. Então esse superego ele pode observar o ego e ele pode também ser projetado, ou ele pode ser alienado, quando um analisando diz que considera que se ele tomar determinada ação as pessoas o julgarão, significa muito provavelmente que ele está fazendo um processo de projeção de seu superego, ou seja, esse superego o está observando de fora.

Como vai se dar a formação desse super eu ? Freud vai apontar que o ego ele vai se constituir a partir da diferença que o id vai estabelecer com o mundo externo. O id seria o originário da experiência humana, o id seria o inconsciente em seu estado bruto, o ego vai se diferenciando com o mundo externo, ele vai assimilando aspectos de identidade a partir de processos de troca e de identificação. Já o superego ele vai ter como base a identificação o que seria essa consciência moral (que é o conjunto de identificações com valores, com aspectos estéticos, com aspectos morais que tem a ver com a tradição, com as formas de vida, com as formas de contato, elementos políticos, elementos sociais, elementos econômicos, o superego se constitui como consciência moral a partir de um processo ou procedimento de aglutinação - Freud vai equiparar a um processo canibalístico. 

 

O superego, além de observar o Ego, também o avalia. Duas funções são importantes nesse processo: a primeira é a do "eu ideal", uma captura imaginária de si mesmo, que pode se transformar ao longo do tempo. A segunda é a do "ideal do eu", que se relaciona aos critérios simbólicos (não imaginários) que usamos para nos avaliar. Se o ideal do eu for muito difícil de alcançar, a avaliação do superego sobre o eu ideal será mais severa, o que pode impulsionar projetos mais elaborados e socialmente relevantes. Em "Psicologia das massas e análise do eu", Freud explora como a idealização do eu pode ser usada para manipulação social. Quanto mais inalcançável o ideal, mais nos dedicamos cegamente a ele, o que pode ser a base para regimes totalitários. Para Freud, o ideal do eu não é inato, mas se constrói individualmente, sem um modelo universal a ser seguido. A análise deve considerar a particularidade de cada indivíduo e não buscar um padrão de subjetividade ideal. (RAVANELLO, 2024)

A origem do superego se dá por dois fatores: um biológico, a dependência prolongada do ser humano, e outro psicológico, a experiência particular do Complexo de Édipo. O superego atua como um veículo da tradição ao impor o ideal do eu, que é internalizado a partir da figura paterna. No entanto, a transmissão de valores não é obrigatória, pois os filhos podem não assimilá-los. O superego representa a tradição, mas também uma alteridade que não precisa ser integrada ao eu, exercendo um papel de julgamento, avaliação e questionamento. Portanto, não se pode falar em um superego ligado à tradição de forma obrigatória. A identificação e a escolha objetal, segundo Freud, são processos paralelos e independentes, não necessariamente correlacionados ou obrigatoriamente conectados. (RAVANELLO, 2024)

Para Freud, o Id, ou Isso, é a parte inacessível da personalidade, o que torna a análise, em certa medida, interminável. O id está ligado ao corpo biológico, e Freud busca compreender como a subjetividade pode afetar o corpo. Na segunda tópica, as pulsões, que antes eram externas ao aparelho psíquico, passam a fazer parte do id, descrito por Freud como um "caldeirão fervilhante de pulsões". O id é cheio de intenções, mas desordenado, e segue o princípio do prazer, ignorando a realidade externa e os valores sociais. Ele é a força motriz do gozo, impulsionando o ego a buscar objetos, relacionamentos e a realidade para satisfazer seus desejos. O ego, por sua vez, apresenta o mundo ao id e o limita. Ele serve a três "senhores tirânicos": o id, com sua busca pelo prazer; o superego, com suas avaliações e imposições morais, éticas e estéticas; e a realidade externa, com suas demandas sociais e os interesses dos outros. (RAVANELLO, 2024)

Nas palavras de Ravanello (2024):

O id não exerce o teste de realidade e não corresponde como recalcado. Tudo o que é recalcado se torna inconsciente, mas não se torna id.

O ego além de representar a realidade para o id ele vai ser a cede dos mecanismos de defesa, e também responsável pelo que Freud vai chamar de “teste de realidade” (o ego vai verificar na realidade se há condições para a realização do desejo”, ex. Isso é possível? Isso me coloca em risco?)

O ego serve ao id fazendo ponto a realidade, mas o id serve ao ego no sentido de lhe dotar potência para dar oportunidade a realizações. Na segunda tópica: ansiedade e angústia para Freud é uma ruptura da fragmentação do eu, ou fracasso dos mecanismos de defesa exercidos pelo eu.

Na primeira tópica a angústia é uma espécie de reflexo do recalque, na medida que a ideia foi recalcada, mas a intensidade está livre no aparelho psíquico, a intensidade indicaria a presença da angústia livre de qualidades sem elaboração e características ideacionais; Freud na segunda tópica vai pensar que a angústia seria uma pequena liberação de intensidade que indicariam ao ego a necessidade de mobilizar suas defesa, pois o recalque está prestes a se romper.

  

Ravanello,  conclui que a angústia não é sem objeto, que a angústia é um afeto que não engana e que há algo na angústia e ansiedade que precisamos aprender a escutar (Lacan, Seminário 10). Para ele, as nossas angústias e ansiedades precisam ser escutadas. Não bastando uma pílula para reprimi-las. “É preciso escutá-las, pois elas falam do mais íntimo dos nossos processos de divisão e de fratura e de ruptura; à questão é que escutar isso é de uma ordem que comporta uma força que nem sempre estamos dispostos a ouvir e encarar e elaborar.” 

Conclusão

A aula de Ravanello (2024) sobre a segunda tópica freudiana adquire relevância na sociedade contemporânea, especialmente no contexto das mídias digitais, devido à sua ênfase na formação do superego e na dinâmica entre o ego, o id e o superego. As mídias digitais, com sua exposição constante a imagens idealizadas e padrões de sucesso muitas vezes inatingíveis, podem intensificar a pressão do superego sobre o ego, levando a sentimentos de inadequação, ansiedade e angústia.

A compreensão da segunda tópica freudiana pode ajudar a sociedade a entender como esses mecanismos psíquicos operam e como a idealização promovida pelas mídias digitais pode impactar a saúde mental. Ao reconhecer a importância da escuta da angústia e da busca por “um ideal de eu” mais realista e individualizado, a psicanálise oferece ferramentas para lidar com os desafios impostos pela cultura digital. Além disso, a crítica de Ravanello à visão tradicional da formação do superego, baseada na internalização da figura paterna, abre espaço para uma discussão mais ampla sobre a influência de diferentes agentes sociais na construção da moralidade e dos valores. Em uma sociedade cada vez mais diversa e plural, essa reflexão é fundamental para promover o respeito às diferenças.

REFERÊNCIAS

QUINODOZ, Jean-Michel. Ler Freud: Guia de leitura da obra de S. Freud. Tradução: Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2007

RAVANELLO. Tiago. Aula: Segunda Tópica Lacaniana.  Módulo de Ambientação: Tópicos introdutórios à Clínica Lacaniana. Pós-graduação: Clínica Psicanalítica Lacaniana. Instituto Espe: Londrina, 2024.

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