A Segunda Tópica Freudiana: Uma Releitura
da Estrutura do Aparelho Psíquico
Isabel Perides
RESUMO
A aula oferece uma análise da segunda tópica
freudiana, um marco na teoria psicanalítica. Ao revisitar os conceitos de ego,
id e superego, o professor traça um panorama detalhado das dinâmicas psíquicas
e suas implicações clínicas. Um dos pontos fortes foi a ênfase na
intencionalidade do ego. Diferentemente da primeira tópica, que priorizava o
jogo de forças inconscientes, a segunda tópica coloca o ego como protagonista
na tomada de decisões, responsável por mobilizar os mecanismos de defesa e
mediar as demandas do id, do superego e da realidade externa. Essa mudança de
perspectiva confere ao ego um papel mais ativo e consciente na vida psíquica,
abrindo novas possibilidades para a compreensão e intervenção clínica. Outro
aspecto relevante é a discussão sobre a formação do superego. O professor
destaca a importância das identificações e do Complexo de Édipo na
internalização de valores e normas sociais, ressaltando a complexidade desse
processo e suas implicações na constituição da consciência moral. A crítica à
ideia de um superego ligado à tradição de forma obrigatória abre espaço para
uma reflexão sobre a diversidade de valores e a importância da singularidade do
sujeito. A análise do id como "caldeirão fervilhante das pulsões" é
instigante e revela a força motriz do inconsciente. O professor destaca a
importância do ego em mediar as demandas do id e da realidade externa, evitando
a realização de desejos que possam colocar em risco a integridade do sujeito. A
discussão sobre a angústia como sinal de alerta para o ego mobilizar suas
defesas é fundamental para a compreensão da dinâmica psíquica e sua relação com
o sofrimento psíquico. A aula buscou a compreensão da segunda tópica freudiana,
destacando a importância da intencionalidade do ego, da formação do superego e
da dinâmica entre id, ego e superego.
PALAVRAS-CHAVE:
segunda tópica freudiana, ego, id e superego
A
Segunda Tópica Freudiana
A segunda tópica freudiana, o modelo
estrutural da mente, é composta de três instâncias psíquicas: id, ego e
superego. Freud discute a segunda tópica em diversas obras, sendo as
principais:
v O
Ego e o Id (1923), nesta obra Freud introduz
formalmente a segunda tópica e descreve as características e funções do id, ego
e superego. Ele explora a dinâmica entre essas instâncias e como elas
influenciam o comportamento humano.
v Inibição,
sintoma e angústia (1926), neste texto Freud
aprofunda a discussão sobre o ego e sua relação com a angústia. Ele explora os
mecanismos de defesa do ego e como eles são utilizados para lidar com a
ansiedade e os conflitos internos.
v Novas Conferências Introdutórias sobre a Psicanálise (1933), nesta obra, Freud retoma a discussão sobre a segunda tópica e a apresenta de forma mais acessível e didática. Discute a importância do modelo estrutural para a compreensão da mente humana e sua aplicação na clínica psicanalítica.
Além dessas obras principais, a segunda tópica também é abordada em outros textos de Freud, como “A dissecção da personalidade psíquica.” (1933) e “Esboço da psicanálise” (1940). É importante ressaltar que a segunda tópica não substitui a primeira tópica (consciente, pré-consciente e inconsciente), mas a complementa. Ambas as tópicas são fundamentais para a compreensão do funcionamento do aparelho psíquico.
Uma nova divisão do aparelho psíquico: ego, id e superego
Para Ravanello (2024) a segunda tópica
começa a ser pensada por Freud em torno da noção do EU. Segundo ele, na
primeira tópica os elementos dos mecanismos de defesa ou o modo através dos
quais os mecanismos de defesa são acionados fica na consideração de uma espécie
de jogo de forças, processos em conflito que levariam uma determinada ideia na
disputa entre de um lado a ser realizado e de outro os aspectos ético,
estéticos e morais a serem cumpridos. O que definiria nesse conflito que uma
ideia fosse recalcada ou não.
A segunda tópica não excluí a primeira
tópica. Na primeira tópica Freud vai pensar em uma complexidade do aparelho
psíquico, mas na medida em que a clínica vai se desenvolvendo, em número de
atendimentos, em número de psicanalistas e são atravessados por acontecimentos
como a Primeira Guerra Mundial, a Gripe Espanhola, o desenvolvimento tecnológico
Freud sente a necessidade de pensar um modelo ainda mais complexo que é a
subjetividade. (RAVANELLO, 2024)
Nas palavras de Quinodoz (2024, p. 225):
O ego e o id é uma
obra particularmente importante porque nela Freud apresenta uma síntese das
hipóteses levantadas na “guinada dos anos de 1920”. Ele começa por demonstrar
que o primeiro modelo de divisão do psiquismo em inconsciente, pré-consciente e
consciente – conhecido pelo nome de “primeira tópica” (divisão topográfica do
psiquismo) – já não é suficiente para dar conta do funcionamento psíquico, e
que é preciso ampliá-lo. Partindo das resistências que o “ego” do indivíduo põe
à tomada de consciência durante a cura, Freud introduz uma nova divisão do
psiquismo em três instâncias, o ego, o id e o superego, modelo conhecido pelo nome
de “segunda tópica”. Esses dois modelos não são excludentes, ao contrário, são
complementares no sentido de que descrevem os fenômenos psíquicos sob ângulos
diferentes, do mesmo modo que se pode descrever uma casa em termos de forma, de
dimensão ou de custo.
Na segunda tópica, Freud reposiciona a intencionalidade ao
estabelecer o ego como a origem dos mecanismos de defesa. O recalque de uma
ideia não é mais visto como um mero conflito de forças, mas como uma decisão
intencional do ego pré-consciente. Esse ego pré-consciente também direciona
formas deslocadas de investimento (transferência) para o analista, e tem a
capacidade de tomar decisões sobre o material que surge na análise. Ele pode
permitir a entrada de certos conteúdos, condená-los ou aceitá-los. Com isso, a
análise deixa de ser um simples jogo de forças desencarnadas e passa a ser um
campo ético de decisões do ego sobre os rumos do desejo. As saídas da análise -
juízo de condenação, juízo de aceitação e sublimação - refletem essa dimensão
ética da experiência analítica. (RAVANELLO, 2024)
Para Freud, a capacidade do ego de se tornar objeto de
observação leva a uma divisão não apenas em sua função, mas também em sua
subjetividade. A possibilidade de ser avaliado e observado cria a instância do
superego, que permite ao ego ser julgado, amado, odiado e questionado com base
em ideais, identificações e projeções. Simultaneamente, o ego pode se dividir e
manifestar sintomas através dos mecanismos de defesa. No entanto, essa clivagem
do ego segue padrões pré-determinados por sua própria estrutura. Em outras
palavras, a forma como o ego se fragmenta e se defende é condicionada por sua
própria estrutura. (RAVANELLO, 2024)
Nas palavras de Ravanello (2024):
Freud vai definir
o superego justamente como uma função de observação. A capacidade que eu tenho
de observar meu próprio eu, esse desdobramento que eu faço no âmbito da ação é
o que resulta a constituição do superego. Então esse superego ele pode observar
o ego e ele pode também ser projetado, ou ele pode ser alienado, quando um
analisando diz que considera que se ele tomar determinada ação as pessoas o
julgarão, significa muito provavelmente que ele está fazendo um processo de
projeção de seu superego, ou seja, esse superego o está observando de fora.
Como vai se dar a
formação desse super eu ? Freud vai apontar que o ego ele vai se constituir a
partir da diferença que o id vai estabelecer com o mundo externo. O id seria o
originário da experiência humana, o id seria o inconsciente em seu estado
bruto, o ego vai se diferenciando com o mundo externo, ele vai assimilando
aspectos de identidade a partir de processos de troca e de identificação. Já o
superego ele vai ter como base a identificação o que seria essa consciência
moral (que é o conjunto de identificações com valores, com aspectos estéticos,
com aspectos morais que tem a ver com a tradição, com as formas de vida, com as
formas de contato, elementos políticos, elementos sociais, elementos
econômicos, o superego se constitui como consciência moral a partir de um
processo ou procedimento de aglutinação - Freud vai equiparar a um processo
canibalístico.
O superego, além de observar o Ego, também o avalia. Duas
funções são importantes nesse processo: a primeira é a do "eu ideal",
uma captura imaginária de si mesmo, que pode se transformar ao longo do tempo.
A segunda é a do "ideal do eu", que se relaciona aos critérios
simbólicos (não imaginários) que usamos para nos avaliar. Se o ideal do eu for
muito difícil de alcançar, a avaliação do superego sobre o eu ideal será mais
severa, o que pode impulsionar projetos mais elaborados e socialmente
relevantes. Em "Psicologia das massas e análise do eu", Freud explora
como a idealização do eu pode ser usada para manipulação social. Quanto mais
inalcançável o ideal, mais nos dedicamos cegamente a ele, o que pode ser a base
para regimes totalitários. Para Freud, o ideal do eu não é inato, mas se
constrói individualmente, sem um modelo universal a ser seguido. A análise deve
considerar a particularidade de cada indivíduo e não buscar um padrão de
subjetividade ideal. (RAVANELLO, 2024)
A origem do superego se dá por dois fatores: um biológico, a
dependência prolongada do ser humano, e outro psicológico, a experiência
particular do Complexo de Édipo. O superego atua como um veículo da tradição ao
impor o ideal do eu, que é internalizado a partir da figura paterna. No
entanto, a transmissão de valores não é obrigatória, pois os filhos podem não
assimilá-los. O superego representa a tradição, mas também uma alteridade que
não precisa ser integrada ao eu, exercendo um papel de julgamento, avaliação e
questionamento. Portanto, não se pode falar em um superego ligado à tradição de
forma obrigatória. A identificação e a escolha objetal, segundo Freud, são
processos paralelos e independentes, não necessariamente correlacionados ou
obrigatoriamente conectados. (RAVANELLO, 2024)
Para Freud, o Id, ou Isso, é a parte inacessível da
personalidade, o que torna a análise, em certa medida, interminável. O id está
ligado ao corpo biológico, e Freud busca compreender como a subjetividade pode
afetar o corpo. Na segunda tópica, as pulsões, que antes eram externas ao
aparelho psíquico, passam a fazer parte do id, descrito por Freud como um
"caldeirão fervilhante de pulsões". O id é cheio de intenções, mas
desordenado, e segue o princípio do prazer, ignorando a realidade externa e os
valores sociais. Ele é a força motriz do gozo, impulsionando o ego a buscar
objetos, relacionamentos e a realidade para satisfazer seus desejos. O ego, por
sua vez, apresenta o mundo ao id e o limita. Ele serve a três "senhores
tirânicos": o id, com sua busca pelo prazer; o superego, com suas
avaliações e imposições morais, éticas e estéticas; e a realidade externa, com
suas demandas sociais e os interesses dos outros. (RAVANELLO, 2024)
Nas palavras de Ravanello (2024):
O id não exerce o
teste de realidade e não corresponde como recalcado. Tudo o que é recalcado se
torna inconsciente, mas não se torna id.
O ego além de
representar a realidade para o id ele vai ser a cede dos mecanismos de defesa,
e também responsável pelo que Freud vai chamar de “teste de realidade” (o ego
vai verificar na realidade se há condições para a realização do desejo”, ex.
Isso é possível? Isso me coloca em risco?)
O ego serve ao id
fazendo ponto a realidade, mas o id serve ao ego no sentido de lhe dotar
potência para dar oportunidade a realizações. Na segunda tópica: ansiedade e
angústia para Freud é uma ruptura da fragmentação do eu, ou fracasso dos
mecanismos de defesa exercidos pelo eu.
Na primeira tópica
a angústia é uma espécie de reflexo do recalque, na medida que a ideia foi
recalcada, mas a intensidade está livre no aparelho psíquico, a intensidade
indicaria a presença da angústia livre de qualidades sem elaboração e
características ideacionais; Freud na segunda tópica vai pensar que a angústia
seria uma pequena liberação de intensidade que indicariam ao ego a necessidade
de mobilizar suas defesa, pois o recalque está prestes a se romper.
Ravanello, conclui que a angústia não é sem objeto, que a angústia é um afeto que não engana e que há algo na angústia e ansiedade que precisamos aprender a escutar (Lacan, Seminário 10). Para ele, as nossas angústias e ansiedades precisam ser escutadas. Não bastando uma pílula para reprimi-las. “É preciso escutá-las, pois elas falam do mais íntimo dos nossos processos de divisão e de fratura e de ruptura; à questão é que escutar isso é de uma ordem que comporta uma força que nem sempre estamos dispostos a ouvir e encarar e elaborar.”
Conclusão
A aula de Ravanello (2024) sobre a segunda tópica freudiana
adquire relevância na sociedade contemporânea, especialmente no contexto das
mídias digitais, devido à sua ênfase na formação do superego e na dinâmica
entre o ego, o id e o superego. As mídias digitais, com sua exposição constante
a imagens idealizadas e padrões de sucesso muitas vezes inatingíveis, podem
intensificar a pressão do superego sobre o ego, levando a sentimentos de
inadequação, ansiedade e angústia.
A compreensão da segunda tópica freudiana pode ajudar a sociedade a entender como esses mecanismos psíquicos operam e como a idealização promovida pelas mídias digitais pode impactar a saúde mental. Ao reconhecer a importância da escuta da angústia e da busca por “um ideal de eu” mais realista e individualizado, a psicanálise oferece ferramentas para lidar com os desafios impostos pela cultura digital. Além disso, a crítica de Ravanello à visão tradicional da formação do superego, baseada na internalização da figura paterna, abre espaço para uma discussão mais ampla sobre a influência de diferentes agentes sociais na construção da moralidade e dos valores. Em uma sociedade cada vez mais diversa e plural, essa reflexão é fundamental para promover o respeito às diferenças.
REFERÊNCIAS
QUINODOZ,
Jean-Michel. Ler Freud: Guia de leitura da obra de S. Freud. Tradução:
Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2007
RAVANELLO. Tiago. Aula:
Segunda Tópica Lacaniana. Módulo
de Ambientação: Tópicos introdutórios à Clínica Lacaniana. Pós-graduação:
Clínica Psicanalítica Lacaniana. Instituto Espe: Londrina,
2024.
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