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quarta-feira, 24 de setembro de 2025

ANÁLISE PSICANALÍTICA DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA: UMA LEITURA A PARTIR DE LACAN, SEXUALIDADE, NOVOS SINTOMAS E PSICOPATOLOGIA

 

ANÁLISE PSICANALÍTICA DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA: UMA LEITURA A PARTIR DE LACAN, SEXUALIDADE, NOVOS SINTOMAS E PSICOPATOLOGIA

                                                                                                                   Isabel Perides

A psicanálise, a partir de Jacques Lacan, oferece um arcabouço teórico para compreender a subjetividade contemporânea. Esta análise busca articular a sexualidade, os novos sintomas e a psicopatologia com o ensino lacaniano, atendendo ao convite de Lacan para que os psicanalistas localizem a subjetividade no tempo atual.

 

1. Sexualidade e Sexuação na Clínica Contemporânea

Lacan reformulou o conceito de sexualidade ao introduzir a sexuação, que transcende a biologia. Ele propôs que a subjetividade se estrutura a partir de posições distintas em relação ao falo e ao gozo. O lado masculino se submete à castração e ao significante fálico, enquanto o lado feminino se abre a um gozo do Outro que não é totalmente capturado pela linguagem.

A psicanálise lacaniana distingue a sexualidade, que é pulsional, da sexuação, que se refere à posição do sujeito em relação à diferença e sua inscrição no simbólico. Na contemporaneidade, a fluidez das identidades de gênero e a multiplicidade das expressões sexuais desafiam as categorias binárias. Essa desconstrução dos ideais de gênero rigidamente impostos leva a uma diversificação das formas de gozo e a uma complexidade na maneira como os indivíduos se posicionam frente ao Outro e ao desejo. A ênfase lacaniana de que "não há uma completude ou harmonia natural entre os sexos" ajuda a entender como a subjetividade lida com a falta estrutural. A multiplicidade de identificações de gênero reflete tentativas de nomear o impossível da relação sexual, o que Lacan chama de sinthoma, uma solução singular para o sujeito lidar com a falta.

Lacan mostra que a não complementaridade entre os sexos significa que não há uma forma simbólica que uma homem e mulher. Ele propõe duas fórmulas de gozo, masculina e feminina, que não são simétricas, e cada sujeito se inscreve em uma delas a partir de uma posição subjetiva, não biológica. A sexualidade contemporânea nos convida a pensar a subjetividade como menos amarrada a normas universais e mais atravessada por escolhas singulares de gozo e identificação.

A psicanalista Myrna Agra Maracajá (2025) explora essa lógica lacaniana, vinculando-a à fluidez das identidades contemporâneas. Ela enfatiza que essas posições sexuais não são biológicas, mas uma "posição subjetiva diante do gozo". Maracajá (2025) discute como as mudanças sociais e culturais afetam a inscrição dos sujeitos nas posições sexuadas e como isso se reflete nas formas de gozo e nas relações contemporâneas.

2. A Problemática dos Novos Sintomas

O termo “novos sintomas”, já popularizado, reflete as manifestações de sofrimento psíquico da sociedade contemporânea. Questões como transtornos alimentares, automutilação, burnout e depressões atípicas são exemplos de novos arranjos sintomáticos. Esses sintomas revelam a relação do sujeito com o excesso de gozo em uma sociedade marcada pelo imperativo capitalista de "gozar mais", uma ideia de que Lacan relaciona no Seminário 17, O avesso da psicanálise.

Na clínica atual, o declínio da função paterna resulta em sujeitos que buscam no real (corpo, substância, tecnologia) uma forma de lidar com a angústia. Isso revela uma subjetividade fragmentada, que responde à precariedade dos laços sociais e ao individualismo. A psicanálise, na atualidade, oferece um espaço para o sujeito articular sua singularidade, transformando o sintoma em sinthoma.

Os sintomas contemporâneos apontam para uma fragilidade dos laços sociais e um esvaziamento do sentido. O sujeito busca preencher um vazio existencial através de objetos e práticas que oferecem um gozo imediato e efêmero. A psicanálise, ao invés de simplesmente classificar esses sintomas, busca entender a lógica subjacente a eles. Esses “novos sintomas” apontam para uma subjetivação desamparada, em que o sintoma não está mais articulado a um saber inconsciente, mas é vivido como um sofrimento bruto, real, sem sentido simbólico. Isso exige novas formas de escuta e intervenção clínica, voltadas para a estabilização do gozo do sujeito.

Maracajá (2025) trata desses sintomas como respostas aos impasses do discurso capitalista e à fragilização dos laços simbólicos. Sua abordagem compreende que esses "novos sintomas" são respostas do sujeito ao real da época, que inclui a exigência de performance, a cultura do consumo e a precarização dos laços sociais.

A clínica exemplifica essa manifestação. Uma analisanda, por exemplo, manifesta ansiedade e angústia no corpo, com um choro que a paciente não compreende e tenta controlar, onde o corpo expressa o que a palavra não consegue alcançar. A dor na cervical de uma outra analisanda, associada ao estresse do trabalho, é outro exemplo de como o sintoma se manifesta no corpo, em um tempo em que o estresse e a performance (sujeito performático) são demandas constantes.

3. Psicopatologia e Subjetividade

A psicopatologia, sob a perspectiva lacaniana, não se limita a diagnosticar transtornos. Ela investiga como o sujeito se posiciona frente ao Outro, explorando o campo da linguagem e do desejo. Lacan propõe que a subjetividade emerge na tensão entre o simbólico, o imaginário e o real. As mudanças sociais, como a globalização e a digitalização, enfraquecem as referências simbólicas, e a psicopatologia reflete esse impacto.

Fenômenos como ansiedade generalizada ou a dificuldade em sustentar laços amorosos apontam para um sujeito que enfrenta a ausência de garantias absolutas do Outro. Lacan convida os psicanalistas a escutar o sujeito além dos rótulos diagnósticos, reconhecendo que a psicopatologia contemporânea expressa tentativas de lidar com o real traumático. A psicopatologia se torna, nesse contexto, uma ferramenta para compreender a estrutura do sofrimento psíquico.

Ao analisar os novos sintomas, a psicanálise vai além da superfície para investigar operações psíquicas subjacentes, como a falta na castração simbólica e a dificuldade de construir um sentido para a existência. A psicopatologia contemporânea deve considerar as particularidades da época, como o discurso capitalista e a cultura do excesso. É crucial que o psicanalista compreenda a estrutura que sustenta o sintoma e a função que ele desempenha na economia psíquica do sujeito.

Na contemporaneidade, em que os discursos médicos e psiquiátricos tendem a classificar o sujeito com rótulos como TDAH ou borderline, a psicanálise propõe um retorno à escuta da singularidade. A psicopatologia, para a psicanálise, é um instrumento para localizar a posição do sujeito em relação ao seu gozo, à sua fala e à sua história, e não um manual de etiquetas diagnósticas.

Na clínica, a psicopatologia se manifesta como uma forma de compreender a estrutura subjetiva do sofrimento. Uma analisanda, por exemplo, demonstra a dificuldade em nomear seus sentimentos, o que pode ser entendido como uma defesa contra a dor emocional. A paciente parece ter desenvolvido um “falso self” para se adaptar a um ambiente familiar disfuncional, o que pode ter contribuído para sua ansiedade. Outra analisanda enfrenta a crise da meia-idade, com a busca por validação externa e a percepção de um conflito entre um “eu antigo” e um “eu novo”. Ambas as pacientes, cada uma a seu modo, demonstram uma desconexão entre o que sentem e o que conseguem expressar verbalmente.

4. A Subjetividade Contemporânea e o Convite de Lacan

Lacan convida os psicanalistas a se manterem atentos à singularidade do sujeito. A subjetividade contemporânea, marcada pela fragmentação, pluralidade de gozos e dificuldade de inscrição no simbólico, exige uma psicanálise que acolha o que é novo e singular. A sexualidade e a sexuação mostram como o sujeito se posiciona frente à falta; os novos sintomas revelam as estratégias para lidar com o excesso de gozo; e a psicopatologia aponta para a necessidade de reinventar os laços com o Outro.

A psicanálise lacaniana nos ajuda a localizar a subjetividade ao oferecer um método para escutar o sujeito em sua relação com o real, o simbólico e o imaginário. Isso permite que o sujeito construa, na análise, um saber sobre seu gozo e sua existência, especialmente em uma era de incertezas. O sujeito busca, por meio do sinthoma, uma maneira de fazer laços com o mundo.

Ao integrar as perspectivas da sexualidade e sexuação, a problemática dos novos sintomas e a psicopatologia, podemos compreender as forças que moldam a subjetividade contemporânea e as novas formas de sofrimento que emergem. O psicanalista, ao se manter atento a essas transformações, pode oferecer um espaço de escuta que possibilite ao sujeito reelaborar seu gozo e encontrar novas balizas para sua subjetividade.

Lacan convida os psicanalistas a lerem os sintomas do seu tempo, escutando a singularidade de cada sujeito em relação com os discursos contemporâneos. A subjetividade de hoje está marcada por:

·                     A crise das referências simbólicas tradicionais (pai, família, autoridade).

·                     O excesso de imagens e informações (o gozo do olhar e da exposição).

·                     A exigência de gozo imediato e desempenho constante (discurso capitalista).

·                     A busca por identidade e pertencimento em um mundo fluido e fragmentado.

A clínica psicanalítica contemporânea, ao se guiar por esses conceitos, oferece uma escuta atenta à singularidade do sujeito. O sofrimento, manifestado como angústia, choro, estresse ou inquietação, está intrinsecamente ligado a uma subjetividade fragmentada, que lida com a falta de referências simbólicas e a pressão por performance. O psicanalista, portanto, não busca um diagnóstico classificatório, mas um caminho para que o sujeito reelabore seu gozo e construa um novo sentido para sua existência. 

Ao nos debruçarmos sobre a sexualidade, os novos sintomas e a psicopatologia sob a lente lacaniana, percebemos que o sofrimento contemporâneo não e apenas uma manifestação individual, mas um reflexo da nossa época. A psicanálise, portanto, não busca rótulos diagnósticos, mas sim um caminho para que cada um possa reelaborar seu gozo e encontrar um novo sentido para a sua existência. Em um mundo que exige performance e gozo imediato, a clínica psicanalítica deve oferecer um espaço acolhedor para que o sujeito possa se reconectar com a sua singularidade, construir laços significativos e encontrar balizas para a sua subjetividade.

REFERÊNCIAS

LACAN, Jacques. O seminário, livro 20: mais, ainda. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; versão brasileira de M. D. Magno. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

______, J. O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise (1969-1970). Texto estabelecido por J.-A. Miller. Tradução de A. Roitman. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

MARACAJÁ, M. A. Pulsão e sexualidade: cartografias Sexualidade e clínica psicanalítica. Disciplina (online, 2025) ministrada no Curso de Pós-graduação: Clínica Psicanalítica Lacaniana, ESPE.

______, M. A. Os gozos e a sexuação na clínica lacaniana. Disciplina (online, 2025) ministrada no Curso de Pós-graduação: Clínica Psicanalítica Lacaniana, ESPE.

______, M. A. Sexualidade e clínica psicanalítica. Disciplina (online, 2025) ministrada no Curso de Pós-graduação: Clínica Psicanalítica Lacaniana, ESPE.

______, M. A. Gênero e sua atualidade: convergências e divergências com a Psicanálise. Disciplina (online, 2025) ministrada no Curso de Pós-graduação: Clínica Psicanalítica Lacaniana, ESPE.

 

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