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sábado, 6 de setembro de 2025

O afluente secreto!


O afluente secreto!

Às vezes, a dor do recalque é tão imensa que preferimos atravessar um rio cheio de piranhas a ter que encarar o que está enterrado. Essa imagem me assaltou durante uma caminhada. 

Freud nos diria que o ego se protege ao empurrar para o inconsciente desejos ou memórias que ameaçam seu equilíbrio, um clássico mecanismo de defesa. Mas a teoria de Lacan vai além, ecoando uma verdade mais sutil: não há um encontro heroico com o objeto recalcado, nenhuma vitória final onde tudo se resolve e se dissipa. Ele propõe que, no processo analítico, nós simplesmente atravessamos. Passamos pelo objeto sem sempre percebê-lo como tal, e as coisas mudam aos poucos, sessão após sessão.

Olho para minha própria trajetória: direito, geografia, mestrado, doutorado, psicanálise, e quase vinte anos de estudos filosóficos da Rosacruz. Vinte anos fugindo ou enfrentando? Talvez os dois.

Será que o objeto recalcado não é um monstro, mas um grão que se transformou em pérola? Algo tão pequeno, como uma rejeição na infância ou um desejo reprimido. Para Freud, estaria ligado às pulsões; para Lacan, ao objeto a aquele vazio irredutível que nos move. Essa dorzinha de fundo, ela nunca para, mas nos empurra. Se não fosse por esse latejar constante, eu não teria ido tão longe.

O recalque, então, além de proteger o ego, pode ser um motor torto. Um farol quebrado que aponta para a direção errada, mas que ainda assim me faz seguir em frente, uma ideia que ressoa com a subversão do sujeito em Lacan.

... apenas para fugir de algo que, à primeira vista, parece tão pequeno. A força parece ser muito maior que o objeto recalcado, mas Lacan me lembra que não se trata de dominá-lo, e sim de aprender a viver com ele. E se um dia eu olhar para trás e disser "ah, foi só isso", não fará diferença. O rio se tornou uma ponte. 

Freud diria que os sintomas retornam em sonhos ou lapsos. Lacan, que a análise tece uma rede para segurar esse vazio sem nome. A travessia foi longa, e cada braçada, um novo passo. No fim, o rio me ensinou que o que eu queria fugir era o que me guiava.

Isabel Perides 

06 de setembro de 202

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